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terça-feira, 24 de julho de 2012

“Sinfonia corpo”

Texto sobre a peça Sinfonia Sonho, do Teatro Inominável, com direção de Diogo Liberano*
Por Mariana Barcelos

Peça de formatura de Diogo Liberano, no curso de Direção Teatral da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Sinfonia Sonho trata de temas inatingíveis. O processo começa com o estudo do livro O anti-Édipo, de Gilles Deluze e Félix Guatarri, e chega aos massacres escolares que marcaram a última década no mundo, principalmente nos EUA, mas que no Brasil temos um caso conhecido, numa escola municipal do Rio, em Realengo. Sobre os massacres a leitura do blockbuster Precisamos falar sobre Kevin – que narra a história de um americano de 16 anos que matou pessoas na escola, o pai e a irmã – norteou um tipo de estudo sobre esses acontecimentos. Além destes assuntos, memória e construções individuais deram à dramaturgia construída um teor pessoal.

A dramaturgia foi se criando durante o processo e o material fixado, enquanto texto falado, é rico em rubricas e diálogos que tomam distancia, propositalmente, do formato de uma conversa cotidiana. Neste sentido trata-se de diálogos impossíveis. A história que se estabelece chega ao espectador em zoom, como numa fotografia, que separa o olho do resto do corpo, e por alguns instantes aquele olho torna-se um elemento estranho do corpo inteiro. O corpo inteiro, neste caso, é o mundo, e a parte ressaltada, e por isso estranhada, é a história de uma família.


A família de Célia de 7 anos, e Kevin de 9 anos, estão de mudança porque a mãe Eva foi convidada para ser diretora de uma escola. O pai, Franklin, interrompe a profissão de médico para seguir viagem e cuidar das crianças. Célia usa um tapa olho porque foi furada pelo irmão aos seis anos com o espeto de Fondue. Seus novos vizinhos Corley e Moira sofrem a perda de um filho enquanto a mulher vive uma gravidez imaginada. Thomas, o filho deles, morreu após subir aos céus amarrado a balões de gás Hélio. Kevin quer aprender a virar música. Um massacre ocorre na nova escola.

A realidade de violência social e crueza de sentimentos se apresentam como conteúdo inesgotável, inalcançável, indominável. Os diálogos, como descrito anteriormente, tornam-se impossíveis uma vez que a história escapa da possibilidade de uma compreensão totalizante, de uma verdade sobre os fatos, de uma solução viável. A vida não tem caminhos certos, retos. A busca pelo sonho parece ser a saída para tirar aqueles personagens de um lugar de consciência banalizada, e Kevin é quem tem a passagem para este outro lado. Kevin quer ser música, e em meio aos horrores, ser música é o desejo mais racional. É uma criança que quer ser música, e para a realidade de uma criança isso faz sentido. Assim como voar com os balões. O que não faz sentido é quando a brutalidade do mundo adulto invade, sem dó, a dimensão onírica do mundo infantil. Kevin quer ser música e toda a incompletude deste desejo não cabe em palavras. O corpo fala.

O trabalho de corpo desempenhado pelo elenco é preciso e detalhado. A movimentação tão divergente da cotidiana ao encontrar um texto também fora desse contexto promove uma relação que causa uma sensação de coerência na leitura apresentada dos fatos. Mais do que isso, a estética corporal atinge os lugares nos quais o texto não chega. Como se preenchesse seus vazios, suas falhas e lacunas. O corpo é texto em estado carnal, dão materialidade ao estado de presença dos personagens. É o corpo, em cena, que cria o tom e o ritmo desta sinfonia.

O que ainda sobrar de lacunar na dramaturgia pós-texto, pós-corpo, é o espaço livre para a autoria do espectador, para a sua reflexidade ir ao encontro da criação final, à sua leitura sobre a obra. O zoom dado sobre o mundo paira em cima de uma parcela muito complexa, e que se acostumou ver vulgarizada nos noticiários dos jornais. A violência não é degustável, agradável de ver, mas tem que ser vista. Não é para se comover, é para se espantar, é pensar sobre ela.
* Em ocasião do Multifestival de Teatro de Três Rios. Espetáculo apresentado no dia 22 de julho de 2012, em Três Rios/RJ.