Por Diego Ferreira
O espetáculo “Sinfonia Sonho” é nos apresentado como uma tragédia contemporânea, trazendo a tona uma narrativa que parte do massacre de crianças na Escola Tasso da Silveira, em Realengo e que também dialoga com outros referenciais para a construção da dramaturgia. Em cena, uma criança de nove anos, Kevin (interpretado magistralmente pelo ator Márcio Machado), é tomado pelo desejo de se tornar música, por conta de uma peça teatral que está ensaiando em sua escola.
A narrativa que parte deste mote, teria muitos motivos para cair na obviedade, o que o Teatro Inominável consegue subverter através da proposta do espetáculo, em falar de uma tragédia brasileira recente, contemporânea, mas que se utiliza apenas como pano de fundo para recriar a história que já conhecemos. O espetáculo tem a sua disposição poucos elementos cênicos, contando apenas com algumas cadeiras e um linóleo verde-limão no chão (que por sua cor berrante e cítrica carrega a acidez e o estranho provocado em cena), e uma iluminação básica que tem alguns recortes para potencializar algumas cenas. A trilha sonora pontua a cena de modo a criar climas e tensões às cenas, assim como os figurinos, que são cotidianos, servindo para identificar os tipos presentes: pai, mãe/diretora, filho, filha, vizinho, grávida, ...
A encenação tem muitos fatores que a tornem interessante, além do belíssimo texto e do elenco, mas penso que o que confere qualidade é o modo que o grupo empreendeu na realização, fugindo do teatro realista, construindo um espetáculo que se calca na fisicalidade e teatralidade, as ações partem de partituras físicas que leva o espectador para longe do realismo e pieguice que poderia ser “Sinfonia Sonho”, se fosse construído da forma tradicional. Além de ser um espetáculo físico, também se utiliza de outros mecanismos que provocam um estranhamento a primeira vista. E por falar em estranhamento, Diogo Liberano me leva a lembrar de Brecht, justamente através de sua ação de ler as rubricas da peça durante a sua realização, a sua figura materializada no palco e interferindo na ação, e essa interferência às vezes ou quase sempre é negada pelos personagens, o que torna toda a ação mais interessante ainda. Outra referencia que me lembra de Brecht é a questão do metateatro, da representação do teatro dentro do teatro, a representação de arquétipos, das peças didáticas, encharcando a encenação de méritos. O texto, assim como toda a encenação me fornecem uma série de códigos e signos que me levam a muitos e muitos significados e leituras, mas são signos palpáveis, nem tão subjetivos, nem tão literais, signos coerentes com a proposta.
Outro destaque é o elenco jovem e disponível, que conseguem construir um espetáculo que é cômico ser cômico, um drama ser precisar mergulhar nos clichês melodramáticos, uma narrativa que emociona e surpreende pela forma como foi traduzida cenicamente. Direção e elenco afinados para oferecer ao público um espetáculo embasado e emocionante. O elenco é coeso, mas destaco o casal de irmãos, interpretados por Adassa Martins e Marcio Machado que conseguem fugir dos clichês em se interpretar uma criança, e passam uma verdade e coerência em suas construções. Os demais atores são muito competentes e estão a serviço da cena.