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sábado, 16 de abril de 2011

Análise das Máquinas > 02/06

CAPÍTULO 1
AS MÁQUINAS DESEJANTES
O corpo sem órgãos

A anti-produção <

O respirar das máquinas desejantes é insuportável ao corpo sem órgãos. É como se a ação primeira das máquinas fosse organizar o corpo. Por isso, o corpo sem órgãos oferece às máquinas desejantes um forte contraponto. A elas, ele oferece sua indiferença, a sua inarticulação, sua improdutividade.

Repulsão e máquina paranóica <<

Talvez seja esse o sentido do recalcamento dito originário: a repulsão que o corpo sem órgãos tem em relação às máquinas desejantes, o movimento de não responder às solicitações desejantes.

Assim, a máquina paranóica nasce justamente dessa reação repulsiva do corpo sem órgãos às máquinas desejantes (tidas como aparelho de perseguição). A máquina paranóica nasce na oposição ao processo de produção das máquinas desejantes. A máquina paranóica é portanto uma transformação das máquinas desejantes resultante da impossibilidade de o corpo sem órgãos suportar as máquinas.

Produção desejante e produção social: como é que a anti-produção se apropria das forças produtivas <<<

A produção social também gera seu corpo sem órgãos, seu improdutivo, um elemento de anti-produção ligado ao processo, um corpo pleno denominado como socius. Pode ser o corpo da terra, o corpo despótico ou o próprio capital. (Marx afirma que o capital não é o produto do trabalho, mas se revela como se fosse seu pressuposto natural e divino). O capital se constitui como uma superfície sobre a qual todos os agentes de produção são rebatidos, de modo que se apropria do sobreproduto e atribui a si próprio o conjunto e as partes do processo, que parecem emanar dele. Forças e agentes (de produção) parecem ser miraculados pelo capital.

No mesmo sentido, o socius se articula como corpo pleno no qual toda a produção é registrada e do qual toda a produção parece emanar. A sociedade constrói o seu próprio delírio. O capital é o corpo sem órgãos do ser capitalista. E é no capital que se engatam as máquinas e agentes de produção, de modo que seu funcionamento é miraculado por ele. Tudo enquanto quase-causa ­do capital. O uso do capital como corpo pleno para formar a superfície de inscrição ou de registro... um movimento objetivo aparente, um mundo perverso enfeitiçado fetichista, pertencem a todos os tipos de sociedade como constante da reprodução social.

Apropriação ou atração, e máquina miraculante <<<

Uma máquina de atração pode suceder uma máquina repulsiva. Ou seja, do conflito repulsivo entre máquinas desejantes e corpo sem órgãos, pode haver uma atração. Uma máquina de atração (máquina miraculante) depois da máquina repulsiva (máquina paranóica).

As duas coexistem, porque o corpo sem órgãos serve de superfície para o registro de qualquer processo de produção do desejo. O corpo sem órgãos como superfície encantada de inscrição ou de registro que se atribui a si próprio todas as forças produtivas e os órgãos de produção.

A segunda síntese: síntese disjuntiva ou produção de registro. Quer... quer. Genealogia esquizofrênica <<<<<

Quando as conexões produtivas passam das máquinas ao corpo sem órgãos (como do trabalho ao capital), elas são submetidas a uma lei que exprime uma distribuição em relação ao elemento não produtivo enquanto “pressuposto natural ou divino”. O “quer... quer” esquizofrênico transformar-se no “e depois”. A maneira como os órgãos estão engatados ao corpo sem órgãos deve ser tal que todas as sínteses disjuntivas entre os dois conduzam ao mesmo sobre a superfície deslizante.

A síntese disjuntiva de registro oculta, portanto, as sínteses conectivas de produção. Se chamamos libido ao conectivo da produção desejante, devemos dizer que uma parte dessa energia se transforma em energia de inscrição disjuntiva (Numen). Transformação energética. Freud acentua a importância dessas sínteses disjuntivas nos delírios gerais e nos de Schreber: “Tal divisão é característica das psicoses paranóicas. Estas dividem, enquanto que a histeria condensa. Ou antes, estas psicoses resolvem de novo, nos seus elementos, as condensações e as identificações realizadas na imaginação inconsciente”.

As disjunções são a forma da genealogia desejante; mas será esta genealogia edipiana, deverá esta genealogia se inscrever na triangulação de Édipo? Não será o Édipo uma exigência ou uma consequência da reprodução social, enquanto esta pretende domesticar uma matéria e uma forma genealógicas, que lhe escapa completamente?

A produção desejante forma um sistema linear-binário. O corpo pleno sem órgãos entra nesta série como um terceiro termo (produzido como anti-produção e em constante recusa a qualquer tentativa de triangulação que implique uma produção familiar). É sobre o corpo sem órgãos que o Numen se distribui e onde se estabelecem disjunções independentemente de qualquer projeção.

É certo que o esquizofrênico é um interpelado nos códigos vigentes. O esquizofrênico por vezes entra no jogo psicanalítico e o faz estourar por dentro (sim, é minha mãe, mas a minha mãe é precisamente a Virgem). O esquizo dispõe de modos muito próprios de referência, dispõe de um código de registro particular que não coincide com o código social ou que só coincide com ele para parodiá-lo. O código delirante ou desejante apresenta uma fluidez extraordinária. Dir-se-ia que o esquizofrênico passa de um código a outro, que baralha todos os códigos, num deslizar veloz, conforme as questões que lhe são postas, não dando nunca duas vezes seguidas a mesma explicação, não invocando nunca a mesma genealogia, não registrando nunca do mesmo modo o mesmo acontecimento.

É assim que os agentes de produção se colocam sobre o corpo de Schreber, se suspendem nele, tal como os raios do céu que ele atrai e que contêm milhares de pequenos espermatozóides. Raios, aves, vozes, nervos, estabelecem relações permutáveis de genealogia complexa com Deus, com as formas divididas de Deus. Mas é no corpo sem órgãos que tudo se passa e se registra como os piolhos na juba do leão.

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Diogo Liberano