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domingo, 13 de maio de 2012

“‘Sinfonia Sonho’ é ousada ao evidenciar o horror cotidiano”

Opinião por Thais D’Castro
Jornalista, Atriz e Fotógrafa,
Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea

Discorrer sobre a peça teatral “Sinfonia Sonho” apresentada pelo grupo “Teatro Inominável”, requer comentar não somente os atores em cena e a direção evidenciada no produto final, mas também o texto e dramaturgia propostos. Especialmente quando temos a grata surpresa em descobrir que a autoria da peça é também do diretor em questão, Diogo Liberano, inicialmente propondo o material como projeto de conclusão de curso na Faculdade de Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A peça retrata as tentativas (frustradas) de duas famílias vizinhas que buscam equilibrar suas vidas diante das dificuldades impostas pelo dia a dia. Uma - composta pelo pai Franklin e mãe Eva, com seus dois filhos Célia e Kevin, respectivamente com sete e nove anos, tenta se adaptar à nova cidade onde a mãe foi promovida à direção de uma grande escola. A outra – formada por Corley e Moira, precisa lidar com a morte do filho Tomas e a gravidez psicológica de Moira diante da tragédia.

Vizinhos por ocasião, a trama desenvolvida escancara com uma pitada bem “teatresca” o caos e desequilíbrio que a realidade pode representar na vida do ser humano. Com holofotes em cima de cada um, ninguém pareceria muito normal mesmo. Um ano após o Massacre do Realengo, em que 12 crianças foram mortas dentro de uma escola no Rio de Janeiro, o fato aparece como argumento perfeito ao grupo para evidenciar como mundos real e virtual caminham mais próximos do que imaginamos.

Em uma palavra, a peça imprimiu ousadia. Ousadia em desenvolver uma partitura corporal tão elaborada e carregada de simbolismos. Ousadia em trabalharem a simplicidade no espaço, fazendo pouco uso de objetos cênicos, se certificando, contudo, de que nenhum vazio fosse sobressalente apesar de apenas sete cadeiras em cena com os atores sobre um piso colado no chão (todos ao mesmo tempo e nada mais). Ousadia em colocar o diretor-narrador no palco - e tirá-lo. Ousadia em carregar um texto de crítica e sensibilidade, sem com isso parecer demagogo ou superficial.

A qualidade do drama imposto pelo casal de crianças, seja pela generosidade do texto ou pela atuação primorosa de Adassa Martins (Célia) e Márcio Machado (Kevin) comovem a plateia com sua maturidade, sem com isso descaracterizar a infância ali retratada. Uma peça que despeja dúvidas revestidas de ansiedade e angústia, as quais ainda quando adultos, não estarão necessariamente solucionadas. Talvez o diretor Diogo Liberano esteja correto ao dizer que “teatro é crueldade e não solução”.

Em tempo, o personagem do pai Franklin, vivido pelo ator Dan Marins, apesar de notável condicionamento físico, me deixou na dúvida sobre o que seria um pedido da direção para que o pai fosse um tanto inerte ao drama, dado o contexto do personagem que acabara de perder seu pai com câncer, ou se por outro lado, falta de entrega emocional do ator ao personagem. Seja por um motivo ou pelo outro, pessoalmente tive vontade de ver a paixão daquele pai por seus filhos interpretada com um pouco mais de emoção e presença em alguns momentos.

Por último, mas não menos importante, gostei da decisão em “sujar” a cena com a presença das apresentadoras-repórteres interpretadas pelas atrizes Natássia Vello e Flávia Naves. Nelas, a imagem do jornalista que aparece sutilmente e traz pra si o direito de narrador da realidade, muitas vezes sem tomar qualquer cuidado para não ser invasivo na vida do outro. Jornalistas como tantos que confundem informação de interesse público com informação privada. O retrato da comunicação ali personificado incomoda apesar de parecerem imperceptíveis, tal qual acontece na realidade. Um “efeito urubu em vigília” que se mantém a postos para certificar de que todos os detalhes sejam narrados, até mesmo os mais desnecessários.

Sinfonia Sonho foi apresentada no Festival de Teatro de Curitiba e está em breve temporada no Rio de Janeiro, no Espaço Cultural Sérgio Porto, na Rua do Humaitá, num.163. Sexta (20) e sábado (21), às 21h e domingo (22), às 20h. Ingressos a R$ 20,00 (Inteira) e R$ 10,00 (Meia-entrada para estudantes, idosos, deficientes físicos, professores da rede pública de ensino e menores de 21 anos, devidamente identificados). Classificação indicativa – 16 anos.