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sexta-feira, 6 de maio de 2011

A morte da metáfora

O contato com as reflexões e escritos de Antonin Artaud acentuam o quanto o material base da obra de arte diz respeito justamente a sua impossibilidade. E é precisamente na angústia criacional de algum impossível que se vislumbra o nascimento de algo capaz de dominar a instabilidade de um tempo.

O encontro com o presente parece ser, de fato, o único embate real de um artista. Com Artaud, a busca pela necessidade do teatro se estende também à busca pela necessidade da própria vida. Por meio de escritos metafóricos, como fosse poesia a teorizar sobre a experiência teatral, ele evoca a potência de um teatro que parece adormecido, que parece ter se esquecido de sua força. Por meio de uma escrita instigante e cheia de sons e imagens, ele nos prega certa busca pelo descobrimento do que é necessário, decretando fim ao adorno ou a qualquer outro enfeite capaz de amenizar alguma incongruência do real. 

Pois, para manter a sua metáfora viva, é a vida que deve estar mais pulsante do que nunca. Entre a palavra e a coisa, é preciso haver respiração e não somente algum sentido. Não quer dizer dar fim à metáfora. É justamente o contrário, pois com Artaud o mistério – o não–saber – ainda é precioso e necessário. Não quer dizer pôr fim aos sentidos figurados e às comparações inúmeras entre diferentes termos. Quer dizer apenas que para além de tornar algum sentido inteligível, é preciso antes torná-lo sensível. A metáfora morre quando o referencial “vida” se esgota. Mas, me sugere Artaud, o campo poético da encenação teatral é capaz de agir como uma espécie de desfibrilador sobre a realidade, acordando-a de súbito, superando-a em força e delicadeza. 

Artaud nos devolve, assim, a possibilidade da vida no rigor de sua instabilidade e do seu movimento e descortina uma resposta possível ao dilema de Hamlet. Já não se trata mais de cindir o homem em ser sido ou não sido. Ora, por que dividir o homem ao meio se dentro dele, em seu íntimo, já se é tudo isso, ao mesmo tempo? O ser, o não-ser e entre os dois um abismo que costura tudo e nos mantém de pé. Somos filhos da linguagem e não há possibilidade de encerrá-la porque tal fim se estenderia também a nós. O que nos resta é tão somente o que já está dado: o ser linguagem... E a nossa possibilidade – escolha – de reinventá-la. 

Esta curta reflexão me veio para visualizar como a linguagem da poética teatral vem se firmando e quebrando, sempre com intuito de se tornar novamente capaz de nos devolver um dado tempo a si próprio. A qual tempo eu pertenço agora? E o meu teatro? E o nosso?

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Diogo Liberano