PROJETO EXPERIMENTAL EM TEATRO
de Diogo Liberano
A satisfação do “bricoleur” quando consegue ligar qualquer coisa à corrente elétrica, quando consegue desviar uma conduta de água, não poderia ser explicada pelo jogo “papá-mamã” nem pelo prazer da transgressão[1].
Apresentação ou Aquilo que solicita atenção em mim
É chegado o momento da formatura. E ao contrário do previsto, eis que o aluno a redigir este projeto sente-se imensamente despreparado para tal ato. Talvez porque tenha vasculhado os anos de faculdade a procura de uma dramaturgia capaz de abarcar seu universo de questões e não tenha encontrado. Talvez porque tenha adaptado inúmeros romances e desistido de todos. Talvez por ter escrito dezenas de sinopses geniais e sem nenhuma ação. Talvez porque nada lhe afete mais – neste momento – do que o próprio momento no qual torna-se irrefutável a criação de sua pequena obra de conclusão.
Tudo bem, isso faz parte da criação, ele dirá a si mesmo. Esse momento de conclusão não seria muito diferente do que está sendo, pois o que ele aprendeu até agora foi apenas a dúvida, o saber-reciclável e as certezas-de-curta-duração. Para além do seu saber, o aluno apreendeu sempre um ruído imenso dentro do peito dizendo mais do que os seis anos de graduação. Uma intuição amorfa que cresceu dentro e virou peste. Assim, com certo tempo, é o artista também algum lampejo de sua obra. É sua obra também certa confissão de seu íntimo lacrado e febril.
Seria, então, esta peça de formatura a expressão nua e crua de sua própria criação? É cedo para dizer. Porque este projeto nasce e morre a cada dia. E isso já faz meses. Este projeto incontido dentro do criador quer outros meios para tornar reais suas rimas. É pura poesia que corre o risco de passar despercebida. É jóia rara carente por lapidação. Matéria bruta e improdutiva clamando por tradução. Monstro alado à procura de cavaleiro capaz de domá-lo. Ou seja: tem tudo para dar errado.
Pode ser que estas palavras até agora tenham conseguido mover um sorriso ou que tenham irritado toda uma tradição. É que nesta pré-apresentação (nome este que ele acabou de reconhecer), o autor se permitiu escrever apenas sobre aquilo cuja nomenclatura ele não pode oferecer. Logo adiante, será preciso esclarecer exatamente o que possa ser esta encenação. E mesmo que para isso ele precise mentir, a fim de conseguir sua aprovação, caro leitor, ele o fará. Porque ao mentir para ti, ele cria também para si a ilusão que alimentará todo o seu sonho, até que este possa, enfim, vir a ter contigo.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida[2].
Apresentação ou Aquilo que solicita atenção em mim (novamente)
É chegado o momento da formatura. E, desta vez, o aluno-diretor é também o autor da sua própria ficção. Mais que isso: ele deseja com sua peça de formatura investir numa dramaturgia colaborativa a ser escrita em processo de ensaios. Para a construção de sua pequena obra de conclusão eis que ele escolhe como tema-mote a própria criação.
Como trabalho de conclusão do curso de Direção Teatral da UFRJ, eu desejo investigar os meandros dramáticos de um processo de criação artística. Uma ficção cujo tema é justamente o criar. O que move uma criação? O que a alimenta? O que atravanca um processo criacional e o que o faz decolar? São questões que se colocam não por se querer respondê-las, mas unicamente porque falar delas me lança de imediato para dentro da própria vida (e o teatro é mesmo um bom veículo para reconexão com o real).
Falar de criação para rememorar minha formação, para pensar sobre meios modos e maneiras de se tocar numa obra, para relembrar diálogos travados dificuldades e pequenas descobertas no meio de todos os ensaios. Para se ver concluindo a infância e se despedindo de casa. Para olhar em direção ao pai e dar adeus, pois é preciso partir.
Saio então desta Universidade como alguém criado e por ela alimentado. Saio atrevido e ousado, potente e capaz. Saio feliz e estremecido porque se despedir de casa é se reconhecer em risco. Sorte a minha que o risco é mesmo o que traça a minha criação. Portanto, tendo aqui a criação como tema, intenciono dinamitar esta palavra para convertê-la em poesia e ação. Para convertê-la em dramaturgia textual e cênica. Para criar com um elenco de seis atores a ficção que ainda não desembrulhamos (mas que persiste em nós despedaçada).
Este projeto parte, então, do meu desejo em ficcionalizar a criação. O meu esforço é o de construir uma obra que não existiu para, por meio dela, firmar aquilo tudo que me parece essencial existir. Uma ficção não como aquilo inexistente, mas como aquilo que pulsa clamando por corpo e voz.