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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

NEGOCIAÇÃO INVISÍVEL_3/3

terceiro e último dia da oficina. sexta-feira 26 de outubro de 2012. escrevo sobre o fim da oficina apenas hoje, dia 5 de novembro, segunda-feira, também término da temporada de sinfonia sonho no glaucio gill.
parece um ciclo só. muita coisa. por onde começar?
aproveitar a distância do tempo e se deixar lembrar apenas do que se fizer lembrar.
pois vamos!
primeiro
difícil acreditar que a proposta da oficina pudesse ser contemplada. loucura. eu perco a noção, às vezes, eu acho. eu tenho certeza. mas é aquela coisa do impossível: às vezes é lindo e essencial se lançar contra o que, a princípio, nos julgamos incapazes de dar conta. eu amo isso. e ali, com os atores, atrizes e seres presentes, não que estivesse claro que não daríamos conta. não isso. mas era claro que o desafio seria imenso (quase impossível), afinal: a ideia foi não fazer uma oficina sobre sinfonia sonho, mas trabalhar sobre a criação cênica e relacional a partir de uma dramaturgia (?) estranha que mais era uma irritação minha que encontrou porto em palavras exclamadas.

pois agora, eu aqui, na frente deste computador, tentando relembrar alguma coisa, só consigo me ter na imagem - foto - da trama dos corpos. das aproximações e afastamentos. do estar em cena e ceder ao outro, para que o outro esteja. uma negociação muito delicada se armou (e eu não estou querendo vingar o nome da oficina). alguma coisa aconteceu quando na sexta-feira, final da oficina, juntamos diversas composições numa só. e apresentamos a poucos espectadores (a nós mesmos - sempre) e a alguns atores do elenco de sinfonia. alguma coisa aconteceu: a tentativa livre e não-ensaiada de se relacionar. ou seja: vida pura.
simples desse jeito.

como trazer para a encenação teatral a vida que, fora dos palcos, encontra-se encenada?
sensação constante de que a realidade não é espetáculo, mas sim, encenação. funciona com seus fluxos decorados, com as cordialidades entre humanos já ensaiadas (e mortas). com recepção ensimesmada, a vida nossa fora do palco num grau de mentira que eu me pergunto: como fazer teatro? como - ainda hoje - fazer teatro?


 

sei lá - por vezes (e essa oficina foi importante nisso tudo), por vezes, ao teatro cabe o papel de ser desfibrilador de nosso tempo. o teatro via choque (do encontro do tapa e sobretudo do beijo) desobstruindo o que se deixou ser esquecido. o teatro reavivando os ramos da complexidade natural do ser humano.
desculpem-me se me excedo.

a nossa composição juntava retalhos dramatúrgicos de um texto que almejava abordar a copa do mundo no brasil em 2014. esse é meio que o mote da próxima peça inominável. gosto, sobretudo, da negociação de muitos corpos no mesmo espaço. gosto da invasão que a cena faz na área destinada ao público. gosto muito de uma mesa e quatro cadeiras. e de vazio. e dos deslocamentos criados. rafael na escada descendo e cruzando o palco. as meninas tomando sol no chão verde de sinfonia. alexandre e beta na mesa (do início ao quase-fim). dudu na base da escada, junto com bruno rolando abaixo. junior vindo da platéia. gosto da presença do silêncio (como espaço para o que virá, mas que ainda não veio). sabe? vocês tiveram que negociar ao vivo e, na minha opinião, por vezes se perderam, por vezes se excederam, por vezes também - inevitável - me seduziram e levaram ao encontro.

deram à dramaturgia previamente escrita a batida das suas respirações (e a batida da dificuldade). nada escondido. sinto que a oficina possa talvez ter quebrado alguma cerimônia no fazer da nossa arte. ao menos, talvez, tenha sido o que eu mais quis dividir com vocês.
a possibilidade de nos desrespeitarmos um pouco, sabe? a possibilidade de esquecer a mesura e substituir cerimônia por encontro efetivo.

me chamou atenção como muitas composições criadas se assentavam num aqui-e-agora legível, fácil de decupar. ao mesmo tempo, davi e natássia trouxeram um gancho de teatralidade tal qual gancho que segura peças de carnes em açougues. gancho que vai no estômago e segura. e preme. e rasga. mas segura.
a escuridão. como pode ter se tornado - em nossa composição geral - como pôde o escuro gritar tanto (EU SOU TEATRO!!! EU SOU EXPRESSIVO!!!!!! EU SOU POBRE!!!!!!!!! EU TENHO O TAMANHO DESTAS DOZE EXCLAMAÇÕES!!!!!!!!!!!!) <<< quero dizer: a oficina me fez pensar a coisa da realidade encenada e a vida revivida em cena. logo, me fez pensar qual seria o grau zero da teatralidade. achei isso muito interessante (confuso e cheio de minhocas - por isso mesmo, puro adubo).

funcionou beta e david, quando a intenção do texto virou ação e não pensamento. funcionou a edição da cena, a montagem cinematográfica, a dramaturgia cênica enquanto guia da atenção do espectador. meu olhar foi tragado de um ponto ao outro. funcionou o jogo dos papéis, meninos. felipe e junior se aproximando e criando o próprio e o nosso interesse sobre aquilo que bruno tranquilamente abria a nossa frente. para falar de um assunto complicado (reificação) sem medo de terminar a composição tendo entendido tudo. funciona muito bem a diferença se encontrando. e, sobretudo, me encantou a rapidez pela qual vocês resolveram tudo isso (ressaltando a coisa do fim da cerimônia e da prontidão para a tentativa).
gosto sobretudo como a diferença em relação ao que o texto sugere, a princípio, é capaz de gerar. rir dos ossos encontrados na gamboa é o máximo, jéssica. sobretudo, davi, importante saber propor e saber perder. foi bom passar pela composição do cigarro frente à placa e dosar vontades e apostas, indo às vezes num jogo mais simples porém - por conta disso - mais efetivo.

gosto muito de lembrar o processo de criação da composição do eduardo + gunnar + fabíola. de um dia para o outro, nem fabíola nem gunnar puderam estar presentes. logo, eduardo se viu sozinho (justamente numa composição que dependia extremamente do jogo com os outros dois atuantes). foi ótimo ver a rápida rearticulação e o inevitável desdobramento da proposta inicial. gostei de ver a coisa do corpo semi-morto e o texto dele saindo por outra pessoa. é como se a composição tivesse me dado um bom exemplo para o mote do projeto concreto armado. ou seja: há um esgotamento tão grande deste assunto, desta questão. é um problema tão vasto que ao mesmo tempo em que nos oprime e nos lança à inércia, ainda assim, o nosso corpo segue falando, reclamando, investigando e problematizando a coisa.

as meninas do x-men (anna e amina) sutilmente trouxeram uma conversa entre meninas, quase adolescentes. bom ver isso surgindo de forma muito sutil. é bom quando o óbvio vem sutilmente, ou melhor, sorrateiramente. lembro aqui de ter sido esta uma composição cujas ideias formais (de criação, execução...) atrapalharam a chegada ao ponto (ao encontro entre as duas personagens). com um pouco de conversa, isso já se modificou. mas, de qualquer forma, foi um ótimo exemplo/experimento sobre as ambições criativas e expressivas e o quanto elas, por vezes, podem nublar o mais simples, o mais essencial da coisa toda.
interessante a abordagem de jéssica no solilóquio sobre as obras no maracanã. interessante o rigor do corpo e do texto. o texto enquanto ação, assim como o corpo em movimento. rolou uma espécie de ação vocal, sabe? a palavra ganhou estofo. interessante. talvez porque houvesse pouco movimento (fique me perguntando isso). mas é curioso - só agora me pergunto - como a rubrica queda de luz acabou virando uma mera interrupção. como expressar a dramaturgia? como recontextualizá-la? como se bater contra ela? sem ter que dela se abster ?

o jogo entre davi e jéssica foi curioso, porque evidenciou uma dramaturgia sem pé nem cabeça. não que não tivessem questões interessantes no texto, mas não havia rumo. no entanto, a composição nos deu em primeiro lugar a relação entre os dois (amigos, eram amigos? namoradinhos? o que eram? só sei que me fizeram ver o texto - diálogo - brotando da relação e não diretamente para a cena). foi curioso (sobretudo o riso no final - que veio da lista que havia dado para a composição - alterando a lógica prevista sobre o assunto).
a composição no escuro (davi e natássia) era declaradamente uma operação sensível (e menos dramática, menos teatral no sentido de querer nos representar algo). a coisa de conversarem antes, de mexerem no teatro, cortinas, luz etc e tal, acabou chamando atenção ao procedimento utilizado para nos explodir algo (que veio em seguida). na escuridão, o texto ganha asa. fica concentrado ao mesmo tempo que perdido. acho que neste ponto excedemos as interferências feitas à natássia (me chamando atenção para essa dosagem, essa edição da cena que é sempre o trabalho mais interessante/complicado).

anna também perdeu a parceira fabíola na realização de sua composição. foi curiosa, anna, a rápida apropriação do texto que você fez. a rápida contaminação do seu corpo com a irritação que eu havia posto em palavras (na verdade, fiz um corte numa entrevista - irada - com o romário). de qualquer forma, foi bom te ver pulsando o texto e sendo interrompida pela moça da limpeza do teatro. jogo de cintura. estar presente no aqui e no agora é a melhor forma de viver nestes tempos. é estar com o foco ligado, é responder kinesteticamente ao mundo. é saber lidar com o abrupto sem medo de ser engolido ou de assassiná-lo. a ideia de cobrir a área do tapete de sinfonia foi curiosa (precisaria de mais labuta para ganhar consistência), porém, ao mesmo tempo, a irritação culminando num gesto brega (do acidente vascular cerebral) foi 01 must (talvez, sobretudo, por ser ridícula, condenável, "mal feita").
rafa, a sua composição me deu o texto. que especial. sabe? eu estou querendo investigar a coisa do grau zero (sei lá de onde veio esse nome). eu tô muito interessado em voltar à palavra. em acreditar na sua força estranguladora e redentora, at the same time. nos seus extremos. e na sua materialidade (tendo como suporte o corpo do ator). eu curto isso (tô descobrindo estar curtindo muito isso). e a sua trajetória, mesmo que envolvendo deslocamentos no espaço, foi clara, direta e reta (ainda que com curvas). parecia levitar, você parecia levitar. tinha objetivo e você se agarrou nisso. você tramou --- melhor, ESCORREU --- uma lamúria consciente e consistente. o texto da professora deixou de ser texto da personagem e virou texto do mundo. voltou a ele. sei lá, tá? eu aumento as coisas (ou desdobro a fagulha da sua criação em outra coisa).

por fim, meninos e meninas, eu agradeço muitíssimo a doação a entrega e o encontro. é tão bom. é tão assustador e aconchegante. amei e espero muitíssimo fazer outros e outros e outros... sempre. peço esculpas na demora desta postagem. foi um arraso estar com vocês e espero - muitíssimo - que as implicações deste novo projeto - concreto armado - também afetem vocês e sigam mexendo com o nosso olhar pelo dia-a-dia. fiquem ligados no blog da peça --- armadoconcreto.blogspot.com --- vocês já são padrinhos e madrinhas neste nosso novo filho.



participaram da oficina: amina muniz + anna clara carvalho + beta borges + bruno marcos + davi palmeira + eduardo cardoso + fabíola buzim + fabíola ribeiro + felipe marcondes + jéssica barbosa + rafael dellamora + júnior vieira + natássia vello + alexandre david
além de diogo liberano, adassa martins e gunnar borges.
não custa informar: assim como nossa temporada de sinfonia sonho, esta oficina está sendo viabilizada pelo financiamento atingido no site catarse!

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