(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
Desde a simples
apresentação dos atores no palco, frente a frente com a plateia, qual
puros-sangues na pole position, sôfregos para disputarem um páreo - vamos nos
preparando, nós, o público, para o que virá depois. Enquanto o autor e diretor
Diogo Liberato lê as rubricas, gestos impacientes brotam no elenco, tentando
avançar sobre a plateia, mas capturados a tempo. Tudo, no espetáculo, é
preciso, medido. Há realmente, impaciência e sofreguidão. E nada do que
acontece em cena é aleatório, tudo é sopesado, medido. Aliás, esse é um dos
espetáculos mais limpos e precisos, em termos de ação cênica, a que me foi dado
assistir, ultimamente.
Estou me referindo a
"Sinfonia Sonho" – na qual cairia bem um subtítulo: "uma
narrativa de horror". Na cena, nada é negado. Estamos assistindo a jogos
infantis, realizados por crianças inteligentes e precoces. Há, no ar, um clima
David Lynch. Mas não somos inocentes: só não podemos imaginar o golpe que vai
nos ferir profundamente.
Como observei acima,
tudo é operado de maneira sistemática, para atingir a perfeição narrativa: bons
atores, cenas bem resolvidas, equilíbrio de emoções. O desfecho pega de
surpresa? Não. Mas o final é operado por dois atores que representam crianças.
E sentimos uma dor profunda. Não é bom relembrar essa dor. No entanto, é vida
pulsante, e não devemos nos negar a ela. Quem quiser assistir a um dos melhores
momentos teatrais que se apresentam no Rio de Janeiro, ainda há tempo. E a
autoria é de um coletivo de atores, em um exercício estruturado por Diogo
Liberano, e orientado por Eleonora Fabião. Diz David Lynch: "Se você
quiser pegar um peixinho, pode ficar em águas rasas. Mas se quer um peixe
grande, terá que entrar em águas profundas. Quanto mais fundo, mais poderosos e
mais puros são os peixes". Parece o óbvio, mas é apenas o belo.
Estamos tratando de
um ataque - massacre! - narrado ponto de vista infantil. (Desisti de me
insurgir contra essa mania que temos de copiar a Matriz, e vou comentar, do
ponto de vista bíblico... essa caça aos inocentes) Como é possível, em nosso
país tropical, ficarem os jovens atirando com armas de fogo sobre seus iguais?
Pura imitação! Só lá em cima mesmo, a quem Deus mandou o Dilúvio... e o
comércio de armas! Por que será que o Brasil não tem imaginação? E logo nas
escolas, onde se está ensaiando uma peça infantil? "Assim não vai sobrar
coleguinha para o elenco", comenta um dos irmãos (não rigorosamente com
essas palavras). "Vamos ter que ensaiar tudo de novo!" - reclama o
filho Kevin, inteligente e precoce, que foi esperto - segundo a mãe maníaca -
ao se livrar a tempo das balas! Há humor negro, também.
Não posso esquecer,
de dentro de minha indignação, que se trata de uma tragédia moderna, e das
boas. É teatro. E, sem saber quem é quem, neste coletivo (o programa não diz)
destaco as interpretações dos dois irmãos, não sabendo qual é o mais genial -
quase aposto no filho. Os pais - e o casal desejoso de ser pai - e aquele ator
que ronda, sobrevoa, o espetáculo - lembrando, coincidentemente, o filho morto de
"Quase Normal". É tudo muito bom. O filho narrando a própria morte,
ultrapassa a todas as expectativas do horror. No elenco, atores oriundos da
UFRJ, UniRio, UERJ (e, por ordem alfabética): Adassa Martins, Andréas Gatto,
Dominique Arantes, Gunnar Borges, Laura Nielsen, Márcio Machado, Natássia
Vello, Rodrigo Vrech, Virginia Maria/Marcéli Torquato. Eles já montaram vários
espetáculos, e com sucesso. O nome do grupo é "Teatro Inominável".
Destaque para Direção de Movimento de Caroline Helena, a quem posso encontrar
nas trevas. O cenário de Leandro Ribeiro é despojado, facilitando as cenas
através de sua nudez. E elas, as cenas, posso garantir, são um nó na
garganta. Mesmo assim, é bom ver bom teatro.