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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

"Uma narrativa de horror"

Por Ida Vicenzia Flores
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)

Desde a simples apresentação dos atores no palco, frente a frente com a plateia, qual puros-sangues na pole position, sôfregos para disputarem um páreo - vamos nos preparando, nós, o público, para o que virá depois. Enquanto o autor e diretor Diogo Liberato lê as rubricas, gestos impacientes brotam no elenco, tentando avançar sobre a plateia, mas capturados a tempo. Tudo, no espetáculo, é preciso, medido. Há realmente, impaciência e sofreguidão. E nada do que acontece em cena é aleatório, tudo é sopesado, medido. Aliás, esse é um dos espetáculos mais limpos e precisos, em termos de ação cênica, a que me foi dado assistir, ultimamente.

Estou me referindo a "Sinfonia Sonho" – na qual cairia bem um subtítulo: "uma narrativa de horror". Na cena, nada é negado. Estamos assistindo a jogos infantis, realizados por crianças inteligentes e precoces. Há, no ar, um clima David Lynch. Mas não somos inocentes: só não podemos imaginar o golpe que vai nos ferir profundamente.

Como observei acima, tudo é operado de maneira sistemática, para atingir a perfeição narrativa: bons atores, cenas bem resolvidas, equilíbrio de emoções. O desfecho pega de surpresa? Não. Mas o final é operado por dois atores que representam crianças. E sentimos uma dor profunda. Não é bom relembrar essa dor. No entanto, é vida pulsante, e não devemos nos negar a ela. Quem quiser assistir a um dos melhores momentos teatrais que se apresentam no Rio de Janeiro, ainda há tempo. E a autoria é de um coletivo de atores, em um exercício estruturado por Diogo Liberano, e orientado por Eleonora Fabião. Diz David Lynch: "Se você quiser pegar um peixinho, pode ficar em águas rasas. Mas se quer um peixe grande, terá que entrar em águas profundas. Quanto mais fundo, mais poderosos e mais puros são os peixes". Parece o óbvio, mas é apenas o belo.

Estamos tratando de um ataque - massacre! - narrado ponto de vista infantil. (Desisti de me insurgir contra essa mania que temos de copiar a Matriz, e vou comentar, do ponto de vista bíblico... essa caça aos inocentes) Como é possível, em nosso país tropical, ficarem os jovens atirando com armas de fogo sobre seus iguais? Pura imitação! Só lá em cima mesmo, a quem Deus mandou o Dilúvio... e o comércio de armas! Por que será que o Brasil não tem imaginação? E logo nas escolas, onde se está ensaiando uma peça infantil? "Assim não vai sobrar coleguinha para o elenco", comenta um dos irmãos (não rigorosamente com essas palavras). "Vamos ter que ensaiar tudo de novo!" - reclama o filho Kevin, inteligente e precoce, que foi esperto - segundo a mãe maníaca - ao se livrar a tempo das balas! Há humor negro, também.

Não posso esquecer, de dentro de minha indignação, que se trata de uma tragédia moderna, e das boas. É teatro. E, sem saber quem é quem, neste coletivo (o programa não diz) destaco as interpretações dos dois irmãos, não sabendo qual é o mais genial - quase aposto no filho. Os pais - e o casal desejoso de ser pai - e aquele ator que ronda, sobrevoa, o espetáculo - lembrando, coincidentemente, o filho morto de "Quase Normal". É tudo muito bom. O filho narrando a própria morte, ultrapassa a todas as expectativas do horror. No elenco, atores oriundos da UFRJ, UniRio, UERJ (e, por ordem alfabética): Adassa Martins, Andréas Gatto, Dominique Arantes, Gunnar Borges, Laura Nielsen, Márcio Machado, Natássia Vello, Rodrigo Vrech, Virginia Maria/Marcéli Torquato. Eles já montaram vários espetáculos, e com sucesso. O nome do grupo é "Teatro Inominável". Destaque para Direção de Movimento de Caroline Helena, a quem posso encontrar nas trevas. O cenário de Leandro Ribeiro é despojado, facilitando as cenas através de sua  nudez. E elas, as cenas, posso garantir, são um nó na garganta. Mesmo assim, é bom ver bom teatro.