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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

"Algo assim, Melhor do que eu"

Diogo Liberano

Reencontro os meios,
Limpo as ferramentas
Modelo o meu projeto
E junto a mim mesmo,
O concebo.

São filhos eternos
E passageiros.
Nascem no trocar das linhas
No trotar veloz e lento de
Quem conduz tanto esperma
Quanto o l-e-i-t-e-i-r-o...

Filhos, melhores que eu tenho.
Aos pedaços, incertos.
Projetos inacabados
De pequenos desejos
Veleidades
E ensejos,
Todos eles
- incompletos
E, no entanto,
Tão inteiros.

Meus filhos são como os verdadeiros,
Somente quando crescem descobrimos
Seus erros.
Somente quando crescem,
O pai e eles mesmos,
Descobrem-se,
Um ao outro,
Um no outro,
Nu pro outro,
Em tempos alternados,
Vão os dois a perceber
O roubo do jeito alheio,
O emprestar das teimosias,
A reciprocidade do recriar-se a cada dia
E de ser o mesmo a cada manhã
E à tarde
À noite
À agonia.

Os filhos que escrevo
São incertos, mas verdadeiros
Filhos do desejo,
E somado a esse,
Filhos do mais puro.
Do mais puro puto,
Que sou. Eu desejo:

Meus filhos,
Gostam de ser
Gostam de se ver
Se ler, perceber.

Os filhos que escrevo
Nascem todos os dias.
São filhos sem mãe
Filhos sem pai
Filhos cheios de mãe
Lacrimosos demais
Filhos cheios de pai
Eles são tristes demais
Filhos com mãe-e-mãe
Filhos com pai-e-pai
Filhos do
Papai-mamãe.

Os meus filhos,
E que não os quero mais
Pois ganharam asas que
- eu mesmo - desenhei
Que podem,
Agora, e quando quiserem,
alçar novos e imensos
Vôos... Eles estão presos.

Presos ao meu redor,
E ainda contagiados
- em demasia -,
pela minha canção.
Pela atroz voz que os revista
incessantemente
em busca da
perfeição.

Eu, Estou doente.
E meus filhos, carentes de
Atenção.
Não mais a minha.
Talvez a de um irmão.
Mas não mais a minha!
Eu preciso acreditar que eles
Querem ouvir outra balada
Outra voz
Sentir outro peso
Que não mais o da minha
Mão.

Para os filhos é sempre à mão,
Para o pai,
Coração!

Estou com o coração nas mãos,
Filhos que me dei.

Os meus. São meus.
Eu sei. Eles sabem. Nós sabemos.
Nós somos cúmplices da criação
E da tentativa de abandono.

Somos cúmplices desde o começo.
Quando da letra surgiu o rosto
Da estrofe o sorriso torto
Do espaçar das linhas o contorno
Que fez as mãos, as luvas e, logo,
Era o corpo.

Das rimas surgiram seus gostos.
Gosto de subir, volver, alternar.
Gostam de rimar todo verso com ar,
Pela vontade de respirar, criar, recriar
Deixar
Voar.

Os filhos que hoje tenho são
a cara do pai.
Cara suja, mal lavada
Cara teimosa,
Desordenada,
Demais.

Os filhos que hoje tenho estão
Quase todos guardados.
Os mais promíscuos,
Já libertados.
Os mais vendáveis,
Excomungados.

Os filhos que ainda hoje conservo,
Estão amassados, espremidos demais,
Concentrados no bolso da camisa quente
Que cobre o meu peito e que me impede
De ser altruísta,
o suficiente.

O suficiente
Para jogá-los ao mundo
Deixá-los ir,
E, em seguida,
Acompanhar sua queda
O seu ir e seu vir e seu ir
E sem vir,
Até cair.

Falta o suficiente para
Ver como se quebram
os seus (meus) dentes
Machucam-se os ossos
E roem-se as unhas
Impacientes.

Assistir,
sem preferência do assento,
Perderem-se aos pedaços
E encontrarem nova gente
Que não mais serei eu.
Visto que os cansei.
Visto que
Eu
Os cansei
De mim.
E de todos os meus personagens.

Nublei suas visões e eles visavam tanto maior do que sou.

Tanto maior do que sou.
Meus filhos,
- e só descobrimos nossos erros
quando os deles fazemos alarde
ao descobrir -,
- quando balançamos o boletim
dos nossos olhando os dos filhos
de outros pedreiros -,
Meus filhos,
Eles visam tanto maior do que sou
hoje.

Mas visam também, meus filhos,
Tudo aquilo que desejei
Em escondido,
Remoendo-me aos gemidos
Meus filhos querem mais
Do que por mim lhes foi
Permitido.

Meus filhos visam algo além do próprio pai.
Tornaram-se mais espertos, mais sedutores,
Indiscretos demais, açougueiros demais!

Meus filhos, vão!
É difícil lhes falar assim,
Mas que partam daqui!

Sejam maiores e melhores e mais velozes do que o pai que vos criou.
Daquele que vos inventou mas que não soube libertá-los
Quando sozinho, percebeu-se autoritário
e isso - jamais -, ele
aceitei.

Vão já, crianças!
E ganhem o vento
E deixem no corpo
O escrito
Do seu sabor
Da sua ilusão.
Efêmera
Ilusão
Do vento
Que é o tempo.

Ganhem o espaço que lhes dão.
Ganhem também aquele que,
por acaso, não lhes derem,
caso não reconheçam em suas lágrimas
o pai que aqui vos escreve.

E eles o farão. Eles sempre
Negarão aquilo tudo que vocês são.

A vocês, filhos queridos,
Tudo aquilo que por mim foi entregue
Remoído, triturado, dissimulado e escondido,
o mundo lhe dará por inteiro
sem ferramenta de manuseio
sem sentido.

Então,
Descubram-se na totalidade dos dias que viverem
Descubram-se a cada momento, quando grandes
E claro, pois assim o papai também o fez,
Quando também pequenos demais.

Aí,
Na pequenitude do seu ser,
percebam-se mais de uma vez.
E mais de uma vez,
Percebam tudo aquilo
Que em vocês, um dia,
eu desenhei.

Sintam as dores que senti e
Saibam: outras maiores sentirão.
E não estarei para refazê-los.
Para isso também
haverá as dores menores.
Para que possam sempre
Abrir e fechar e abrir e fechar
O corte.

E o sentido que o mundo
um dia não lhes deu
faz-se na busca por
tudo aquilo que
não se entendeu.

As dores do corte,
Há pouco cicatrizado,
A incoerência do amassar, 
A tonteira da dobradura,
Do se-auto-se-misturar.
A cruel dor do não mais voar e com o tempo
Apenas sedimentar
Sedimentar.
E só,
sedimentar.

Poeira nem sempre se acumula só no ar, meus filhos.

Por isso, queridos
Queiram sempre respirar.
Outros perfumes, outras mãos
Outros tios,
pois sempre tios serão!

Respire, cada um de vocês e
Quando o melhor ar encontrar
Façam dele também o colo certo
Para enfim, rest...ar.

Acreditem na autopromoção.
Uma vez funcionou com o papai.
Acreditem no pensar em si próprio.
Valorizem-se e contem-se
Uns aos outros.
Conte-se a si mesmo e
Contente-se em saber-se
Inteiro.

E quando menos esperamos
- é preciso saber esperar! –
eles nos preenchem
de novo ar
do seu ar.

Quando aí, respirem fundo,
Pois o ar nunca poderá faltar.

A última lição para os filhos
                        que chegam e
            para os que vão
            - e entre vocês há uma
            pequena intersecção -:

Vivemos morrendo a cada segundo,
Por isso mantenham-se firmes,
Presos nos seus ideais.
Provoquem os limites alheios,
Ousem ser mais do que o perímetro
Habitual dentro do qual eu os inseri.

Enfim, meus que nunca vi correr.
Defendam-se do mundo
E sejam o que o corpo de vocês lhes disser
Para ser.

Agora, você!,
Filho desse momento intempestivo.

Escrevo-lhe com você mesmo,
E sobretudo para quando encontrares
Todos os vossos irmãos,
- Perdidos, em outras estações,
Imprecisos, precisando de reparo
Ou não -,
Eis a sua maior missão:
Passe-vos essa mensagem e diga-lhes
É ela de nosso pai, irmão, eu juro!

E ela é mesmo de vosso pai,
Meus filhos obtusos
Que se entreolham buscando
Explicação.

Cada verso, cada aliteração
A rima, o sugerido, o canto
Toda e qualquer intenção.
Esse filho que hoje eu faço
É meu e dono de si mesmo
É meu e dos outros deste meio.

Não me negue,
nunca.
E, filho!
Filho, não te assustes!
Tens muitos irmãos:
Irreconhecíveis
Risíveis
Melodramáticos
Falsos
Verdadeiros
Excessivamente a cara do pai que lhe fala
E faz,

Em pouco tempo,
Tu não serás mais o meu
caçula.
Mas não se preocupe com
Seus velhos irmãos.
Na família do papai
Quase sempre o mais novo
Tem razão.

Evidentemente, quando ela não falta durante uma ou outra geração.

Nesse momento, filho
O fermento do pai acabou.
Amo-te
E te amo
E sempre o farei, tu bem o sabes.
Como um dia hei de amar o filho que nunca terei,
Como um dia o amarei,
Eu choro por ti, filho novo
E pelos irmãos que lhe dei.

2007.


Fonte: http://lendoarvoreseescrevendofilhos.blogspot.com/2009/10/algo-assim.html