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sábado, 23 de outubro de 2010

reunião de família

algumas coisas estão fortes: capitalismo e esquizofrenia. família. meus irmãos, minha mãe, a loucura. a casa. algumas coisas meio que se redefiniram, meio que são outras agora. por onde começar? intuo ter encontrado a dramaturgia. seu ponto de partida. eu queria testar aquilo tudo que édipo fez nascer a partir da leitura freudiana. eu queria me chocar contra seus dogmas psicanalíticos e ver o que disso sobraria. porque eu duvido, eu duvido muitíssimo de algumas construções. eu duvido dizer respeito a tais normas, a tais pontos de vistas e maneiras de se olhar um dado. seja ele problema ou não.

e neste exato instante, minha mãe e meu irmão comem pizza na cozinha. são 15h25 da tarde e eu gostaria de marcar aqui esse momento. há muito que não posso colocar aqui, pois toda família tem seus segredos, seus crimes, seus vícios e eu não quero sinceramente rendê-los. o faria no momento oportuno. para desvelar ante aos integrantes dessa família - a minha - algo do horror que estamos construindo juntos ainda que em separado.

e sabe? tem a ver com capitalismo. tem a ver com esquizofrenia. tem a ver com estes dois universos que são geradores e geração. são universos que não se assumem somente enquanto produtores, visto que também são produtos. me angustia essa doença, me angustia profundamente essa fome, essa pizza em meio a essa tarde de sol sendo devorada em plena mesa, no meio desta casa alugada.

eu lá nos inícios pensava em édipo dentro de uma sinopse mais interessante, totalmente cômica, numa reunião de família. pensava em festen, em festa de família. pensava nesses horrores que só os que dividem sangue são capazes de gerar. não via pessimismo, apenas via, unicamente, porque é mesmo impossível não ver, blanchot. é impossível não ver. meu olhar persevera e se durmo durante o início da tarde para não compartilhar o almoço e a mesma mesa, acordo ouvindo aquilo que mais me faz doer: acordo ouvindo a ignorância, um descuido com o momento um descuido por não saber como administrar isso que nos costura, um descuido absurdo em não saber administrar o que possa ser ou o que poderia ter sido esta nossa família, hoje já quase toda perdida.

escrever uma peça para purgar minhas revoltas e dores. sim, mas não somente. escrevo neste instante para tentar fazer meu enredo parecer humano e corriqueiro, para devolvê-lo ao mundo sem medo de descará-lo, sem medo de expor que esse tipo de situação existe. sem medo de revelar a vocês tanto sofrimento que há aqui batendo-se entre paredes e casas e parentes. eu queria mostrar tudo isso para que estimulasse você a não descuidar do seu destino.

os artistas saem fortes e loucos de suas vidas. despedem-se delas com um tiro ou com um livro. eu não sei porque só eu teimo em olhar para este mesmo assunto - a família - e ser o único da própria família a não olhá-lo pelo viés do desespero. meus olhos lacrimejam, mas eu sigo, chorando, mas eu sigo ainda vendo. e os que ficam, e os que param, sem saber o que fazer, sem saber como doer, sem saber nada exceto maneiras de se entorpecer e cegar? e os familiares que ficam persistindo frente à televisão tentando curar distâncias, tentando curar suas vergonhas e medos, sua solidão, seu terror mais assustador e passageiro?

eu duro, feito pedra, para devolver o seu horror por todos os lados analisado. duro pelos pontos de vista, pois consigo sair de mim e amenizar minhas persistências. eu persisto no personagem e isso alivia a existência. me permite respirar por outro corpo. eu duro para devolver o seu horror cindido e dissecado. não para dar resposta. mas para perguntar aquilo que o corpo uma vez enrijecido quis perguntar e se calou. para perguntar aquilo tudo que jaz preso e mortificado em nosso esforço comum - eu nele me reconheço - de apaziguar e durar pleno nas horas seguintes enquanto um ser que pertence.

essa é uma história de terror. diz respeito à forma como a vida aos poucos vai se transformando em impossível. capitalismo e esquizofrenia. de uma família burguesa que se perdeu em sua ida - insaciável - rumo ao padrão-família. somos agora meio-desesperados, hoje. meio do caminho. nem todo ido nem todo voltado. somos ainda, porém, uma tentativa suprema e eterna de amor, que já não se sabem mais pronunciar. sofremos porque perdemos o tato pelo qual um dia nos fizemos sarar. somos hoje apenas um risco sobre o qual coexistem de forma desordenada a nossa noção de amor. somos a impossibilidade da noção família enquanto tal. por que não?

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Diogo Liberano