ao meu redor
o mundo diz ser o mesmo
o meu olhar porém
menos conformado
teima olhar diferente:
vê sangue onde flora perfume
e morte onde havia
seu eufemismo
solene eufemismo
do morrer-se um pouco a cada dia.Trecho de O que há de novo ao meu redor.
Em 2007, estava com um amigo numa livraria e ele me perguntou algo como você nunca ouviu isso, que antes de morrer é preciso escrever um livro ter um filho e plantar uma árvore? Acho que eu nunca tinha ouvido aquilo ou talvez tenha, mas acabei esquecendo por não concordar com tal sentença. Lembro-me apenas de ter dito a ele que achava melhor ler árvores e escrever filhos. E fui para casa com aquilo na cabeça.
Quando cheguei ao meu apartamento, escrevi um longo poema composto por outros dois: o primeiro, intitulado LENDO ÁRVORES E ESCREVENDO FILHOS termina com um verso-título do seguinte, ALGO ASSIM, MELHOR DO QUE EU. Uma poesia nascida no pular das próprias linhas. Naquele dia, e só hoje o percebo, eu escrevi uma busca que venho empreendendo desde então.
Depois de ler o poema, o mesmo amigo que tinha trazido a tal sentença me escreveu: só existe um problema: quem vai plantar o livro? Eu não dei importância a sua divagação. Logo no início de 2008, criei o blog LENDO ÁRVORES E ESCREVENDO FILHOS (lendoarvoreseescrevendofilhos.blogspot.com). Um espaço que floresceu e que hoje acumula mais de 880 postagens, dentre imagens vídeos e poesias escritas por mim.
Como se deduz do próprio nome, neste blog eu leio a vida para refazê-la em versos – mas sem a exigência de fidelidade. Minhas obras são filhos que a vida fez nascer em mim. Parece poesia: e é. Amor, família, solidão, fome, morte, suicídio, sexo, dor, metalinguagem, música, teatro, desejo, distância... Ingredientes que a própria existência a mim descortinou: tudo ali reunido e livre, em plena movimentação e cruzamento.
E eis que agora, para a feitura deste projeto, a fala daquele amigo me voltou ainda mais afiada e cortante: quem vai plantar o livro? Este projeto de formatura deseja justamente executar tal ação: plantar o livro para ver nascer ficção. Eu desejo apostar no tema criação para fazê-lo germinar e dele retirar uma ficção possível. Apostar na criação por vislumbrar nela o meio pelo qual me foi – e ainda é – possível lidar com a vida.
Um dia eu supus que para dar conta da minha própria existência seria preciso dançar sua instabilidade. Portanto, escrever sobre ela própria me fez dinamitar sentidos fixos e abrir outras saídas possíveis, revelando suas fendas e abismos. A vida escreve a sua poesia, no entanto, cabe a nos a façanha de desvendá-la. O criar, então, me veio como ação primordial do ser artista que refaz em ação a vida como potência e transformação.
Esta peça visa partir do tema criação para explodir o espaço do verbo-ação criar. Verbo transitivo é carente de complemento. O criar aqui se instaura como o jogo essencial desta encenação. O criar como ambiguidade intencional e desejada: pois assim como o artista cria a sua obra, o pai também cria seu filho. Mas, quando uma coisa com outra se confunde, o que fazer? Vida ou poesia?
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