Em mim cabe todo o mundo.
Não me peça, porém, que o reduza aos meus pés.
Deixe-me lançar ao impossível
E caso assim não seja,
Deixe-me, como a xícara suja sobre a mesaCorpo usado
Esquecido
Mas borrado
a desejo.Trecho de Borrado a desejo.
Em 2010, durante o processo de montagem do espetáculo ESPERANDO GODOT, para a disciplina Direção VI, entrei em contato com o livro O ANTI-ÉDIPO de Félix Guatarri e Gilles Deleuze. Por meio desta obra, toda uma estrutura familiar é posta em cheque com intuito de libertar a potência revolucionária que é o desejo. Para o presente projeto, eu parto deste livro visando endossar conceitualmente a minha busca.
Pois como validar seus desejos e aceitá-los sem restrição? Durante os meus seis anos de graduação, foram inúmeros os momentos em que me peguei pensando sobre como tornar um desejo algo estético, algo dramático, algo capaz de se estender de mim até você. Eu pensando sobre como estender a você aquilo que também me sensibilizava ou fazia doer. Eu pensando no desejo feito ponte e não como muro.
Para mim, versar sobre o desejo é também brincar com intuições, crendo em possibilidades outras que não somente a do saber. Diz respeito ao corpo, à descoberta feita em jogo, em movimento e flerte com o mundo. Num primeiro momento, O ANTI-ÉDIPO diz respeito justamente a isso, a esse libertar e desbravar do desejo não como sintoma de algo a ser entendido ou resolvido, mas como condição básica de existência.
Assim, da obra de Deleuze e Guattari, escolho apenas o capítulo inicial, intitulado AS MÁQUINAS DESEJANTES, por ser ele aquele que me descortinou a condição humana do ser que deseja. Utilizo-me deste capítulo para estimular a emergência de uma dramaturgia a ser construída em processo, tendo os atores também como autores desta construção.
Pois, ao mesmo tempo, persiste na obra de Deleuze e Guatarri uma validação do utópico não como sonho, mas feito possibilidade. Um olhar que não teme assegurar o impossível porque o impossível torna-se, ao lado de tudo, só mais uma opção. E é neste ponto que reside a minha principal questão: como tornar possível aquilo que não se tem como possibilidade?
A poesia vem então como meio de fuga para a cilada que se tornou o real. Para sair das linhas já marcadas, para colorir com outras cores e noutras intenções, pulam-se linhas e movem-se versos a fim de trazer ao corpo a sensação ainda não todo nomeada. Pois o corpo clama por indefinição. Clama por arrepio capaz de o aniquilar. O corpo clama por todo o mistério que nós matamos ao nomear.
E para além de alguma forma, para além da crise do conteúdo e da linguagem, eu agora paro para narrar uma fábula, um acontecimento dentro do qual as personagens espelham a vida. A nossa encenação, no final das contas, será este filtro capaz de transtornar a fidelidade deste espelho. Para que possamos, enfim, descobrir na complexidade da própria vida o real prazer de se estar vivo e operante: a sua poesia,
Ou tudo aquilo que não cabe (somente) em palavras.
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