\\ PESQUISE NO BLOG

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

eu amo meu filho

de fato, as dúvidas não significam muita coisa além de indagações. e eu estou cheio delas, a cada segundo mais uma se junta a este imenso medo que é trazer à vida um projeto que se dificulta e se revela mais difícil e mais impossível a cada olhar que a ele eu lanço. mas eu o amo. eu o amo. ainda que possa ele me destruir.

terminei há um minuto de ler o livro. o romance. apaguei as luzes da sala. enchi a pequena xícara branca de café, recém-passado. escuto stairway to heaven, do led zeppelin. e tenho a sensação plena de querer trazer à cena a história deste romance. até então as dúvidas venciam e problematizavam de fato este desafio. mas agora, as dúvidas me movem para mais perto deste desejo. eu sei que é isso. e por mais que me assuste, é essa potência toda que me faz estar vivo, outra vez neste início de outra madrugada.

gosto deste romance porque ele sugere tudo o que não é. porque é fácil achá-lo um simples best-seller, no sentido de ter sido premiado e muito lido e apenas isso. mas para além desses fatos, sobrevive nele uma profundidade, um buraco negro, um não-saber que o eterniza, ainda que só neste meu agora. é bom, mas também ruim. é excessivo e por vezes um pouco enfadonho. parece que a autora quis ter mais páginas escritas do que realmente sua história era capaz de gerar. mas de súbito, em uma única página, ela sabe ser tudo isso que na frase anterior eu justamente dizia sentir falta.

eu me apaixono inevitavelmente por tudo aquilo que me devolve a complexidade da minha existência. eu me apaixono desesperadamente por tudo aquilo que me empesteia a dúvida e o excessivo piscar dos olhos e as excessivas sinapses e o excessivo buscar.   

e me toca. me emociona. e me permite fazer analogias com a tragédia. com a tragédia grega. mas é do meu tempo. sou eu ali escrito. é sim romance passado noutro país, noutra cultura, mas que importa? se os personagens são humanos, são como eu e qualquer outro. de fato, risco o livro com palavras tais quais édipo, medéia, corpo sem órgãos, capitalismo, creonte, meu deus, tudo nele cabe. temo ter encontrado um romance que tem em si possibilidade de ser exemplo para a façanha filosófica que é refletir sobre nosso tempo e nossa sociedade.

como este blog é desde sempre um espaço cujo acesso é aberto, não me permito ainda abrir aqui o romance e outras informações que permitam identificá-lo. preciso deixar tudo dentro da barriga e gestar, apenas gestar. mas, tendo terminado a leitura, posso especular com maior clareza sobre o porquê de querer montá-lo (enquanto ouço i've had the time of my life). tenho clareza de ter encontrado um excelente anti-édipo que freud adoraria converter em algum complexo inédito.

quero encenar a história desse romance porque ela é a forma mais sedutora, encontrada até agora, de filosofar sobre a existência humana. ora, se deleuze afirmava que filosofar era justamente criar conceitos, munidos destes - e por eles contaminado, intrigado e apaixonado -, faltava-me encontrar um porto capaz de falar sobre eles sem que minha peça de formatura virasse uma palestra filosófica. sim, meu papel - ainda de acordo com deleuze - tem a ver com punhados sensíveis de massa. não é isso, não é bem isso. mas é o que me veio agora à cabeça. noutro dia eu posto aqui o que de fato ele afirmava ser. mas para além do que possa ser dito, estou certo.

por agora, importa essa clareza, de ter encontrado uma fábula sobre a qual eu possa testar conceitos e multiplicá-los e desdizê-los e refazê-los. eu quero dizer, por meio desta fábula o que eu conto a ti pode ser muito profundo, cheio de referências, mas é a princípio apenas uma história. e uma baita história: a história de uma mãe que tem a vida destruída por seu próprio filho. e que não cessa a tentativa de compreender algo que explique tudo isso. numa sequência de acontecimentos - e tempos - que me fazem pensar sobre maternidade e paternidade, sobre responsabilidade e sobre indiferença.

adoro, porém, a possibilidade de estar gestando um filho errado. mas não me ausento da responsabilidade por sobre ele. vamos juntos.

\\
Diogo Liberano