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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

um longo dia

ontem fui dormir já era manhã. são quase duas da madrugada e eu estou querendo desligar o computador e cair sobre o romance ou sobre o caderno novo que fiz hoje. estou tragado, tomado, mais uma vez - não era para eu me surpreender - pela impossibilidade. a cada segundo o que eu julgava possível parece menor e pior. eu a cada segundo preciso ir mais longe do que sei e sou capaz para transformar esse projeto em algo de fato possível de ser feito.

fico muito feliz e grato que o elenco já convidado e fechado - mesmo sem nada saber sobre o projeto - esteja dentro. mandei e-mails para todos eles perguntando coisas e todos responderam. sinto-me devolvido, apesar de não fazer sentido receber um e-mail sobre questões de uma nova peça quatro dias antes do fim do ano.

de fato estou tomado. é a minha desculpa para amenizar o sono e continuar me cansando. estou estruturando coisas e tudo que era incrível num passo seguinte me parece tão imaturo. que bom que eu acho que tenho tempo para ir vendo as possibilidades se queimando. sim, existe um período que elas se queimam só de pensar nelas com um pouco mais de intenção. algumas porém hão de restar e é por sobre estas que eu deverei me ater.

fiz um caderno hoje e nele estou especulando aquilo que não posso abrir aqui. sim, Isto é um mistério. e como autor, a princípio, amo a solidão. preciso dela para procriar e desenhar as feições dos monstros e dos anjos. preciso do caderno e do punho para brincar de construir sonhos. nem tudo posso escrever aqui porque certas palavras precisam de pausa e de escuridão. precisam do meu peito e do peso da minha mão. é vero. é lindo, mas é também concreto e sincero. como eu já faz tempo percebi não saber funcionar de outro jeito - que não escrevendo sobre cada passo e cada respiração - tive que ceder ao caderno, ao mesmo tempo em que estou aqui confessando estar escrevendo noutro espaço (também de criação).

o café aqui ao lado. os olhos semi-cerrados. quanto mais difícil mais eu persisto. eu devo estar louco e isso é bom, eu sinto, eu sinto. hoje a coisa se abriu para além do romance e nele comecei a me ver mais do que antes. aliás, acho que pela primeira vez vi a minha mão de autor coçando uma interferência. querendo dizer o que acha sobre tudo isso. a minha mão querendo mudar palavras e acrescentar um grito, acrescentar uma cena, um personagem, um pedaço meu disfarçado desde o princípio. é a minha maneira de purgar a existência, desculpem-me. isso não é novo e também não é crime. e ainda que fosse - prendam-me.

queria só registrar dois acontecimentos muito bonitos e velozes que foram por sobre mim lançados no final desta noite. estava sentado neste mesmo lugar que agora estou. num quarto, sobre a cama de solteiro, encostado à parede, com o laptop no colo, o livro entre os braços, caneta, celular, mp3 player, rolo de papel higiênico e muitas canetas coloridas. daí minha mãe abriu a porta do quarto com um sorriso contido. algo muito lindo e genuíno. de mãe que já é o auge do que pode ser o ser mãe. então eu tirei os fones do ouvido e ela apontou de forma boba em direção à cozinha. e ficou fazendo uma cara esquisita. eu entendi que o café estava pronto e que eu podia ir buscar. e ela perguntou você toma mesmo café sem adoçante? eu disse que sim e blábláblá. mas para além de tudo isso, conservo para sempre o rosto da minha mãe, leve, sereno, bonito e atento. como se naquele momento em que ela abriu a porta, ela tivesse descoberto algo novo sobre mim e que pedira contemplação e não falatório. ela me olhou como se dentro de mim ela tivesse passado a tarde inteira e tivesse nisso descoberto algo que talvez nem seja nenhum motivo de festa. mas ao me olhar, eu me senti nela reconhecido e nisso eu também a tive, plena, sem pane, sem texto que antecipasse ou adiantasse o nosso encontro.

enfim, eu fiquei movido. era isso. e depois, mais tarde, antes de ir dormir, meu pai passou no quarto para falar do filme que acabara de assistir. e conversa vai e conversa vem, começamos a falar da aposentadoria dele. e eu dizendo o quanto não via a hora de ele parar de trabalhar e começar a fazer somente o que quisesse, afinal - é verdade - o meu referencial sobre a vida do meu pai é trabalho. não há mais nada ou quase nada. ele só trabalhou até agora. e em breve completa seus 60 anos e eu não vejo a hora de vê-lo livre e autoritário, visitando os filhos onde quer que estejam e contrariando todo o planejado. enfim, ao dizer essas coisas para ele, ele foi concordando, falando e falando e quando saiu, encostando a porta e virando para trás, me disse, eu nem estava aqui quando você nasceu. e, pela primeira vez na minha vida, ele se fez tão presente como nunca pude imaginar ser possível. não sei se tinha certo lamento em sua voz, ou se era só um exemplo para o fato de ter trabalhado desde sempre. mas foi tão inteiro e tão complexo esse simples dizer dele que eu fiquei mexido ao extremo. e continuo.

o que importa, no final das contas, é que estamos aqui neste agora. e ele me vale, a despeito de qualquer possível trauma. durmo supreso. durmo embrulhado, feito presente. tornado real e possível, tornado agente. dessa minha história, dentro dessa minha família. como é possível se renovar sem mover um cisco, não? isso que foi dito/visto me fez pensar na força do gesto como criação de espaço para a ação do verbo.

não importa tornar tudo claro aqui. importa conservar em mim o gesticular bobo da minha mãe e o riacho de sentidos represados no olhar do meu pai ao cruzar a porta. há mais nisso do que tudo o que escrevi até agora. há muito mais. e é disso que também estou falando.

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Diogo Liberano