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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

quantas mães cabem numa só?

é possível que eu tenha que ceder dessa vez. isso de, por ser homem, e usar a noção de paternidade está para mudar. sou também mãe. e estou aqui pensando - em paralelo aos personagens do romance - quantas mães podem haver dentro dessa peça de teatro?

em VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA, as atrizes estavam em cena tentando montar cenas e eu, diretor do espetáculo, também em cena estava, tentando junto a elas assinar a autoria, ser pai (ou mãe), enfim. mas agora, com esta montagem, tenho pensado em lançar tudo para o espaço da cena e me tirar dela. o que não quer dizer que não possa existir algo meu ali em cena, convertido num personagem.

eu estou pensando. temos a mãe de K. temos o narrador da história da mãe de K. e temos os atores que interpretam os personagens (como o próprio narrador, a própria mãe, o próprio K. e todos os demais). ou seja, a ficção se constrói aos poucos. temos primeiro os atores em cena. dali, um decide interpretar um personagem e nele se agarra, do início ao fim ele o será e ponto final. eis uma possibilidade. podemos ter outro ator que se agarre noutro personagem, que é justamente aquele que comenta todos os outros, mas não como um diretor o faz e sim como um autor. estamos contando uma história e o seu ator pode estar ali, revelando a relação paternal entre criador e criatura, entre artista e sua obra. eis outra opção. e há ainda aquela já tão desbravada em MIRANDA, do ator em relação com seu próprio personagem, sendo ele e sendo a si próprio e se confundindo e virando um híbrido sobre o qual já não sabe mais discernir nada. eis outra opção.

penso que possa ser interessante - a partir da confusa especulação feita no parágrafo anterior - multiplicar as mães possíveis dentro dessa obra. multiplicaremos assim, também, seus filhos. e o tal K. personagem, é também K. peça de teatro. é também K. personagem. ou seja, são mais pontos de vista que podemos traçar em cena. mais olhares que podem se cruzar e se problematizarem. ou seja, o que teremos enfim será um tiroteio em meio ao qual a verdade nasce toda flechada. talvez seja isso, não? o meu objetivo?

mas, no entanto, veja bem - não desejo especular dessa vez a linguagem teatral. não desejo falar do ser ator, desejo falar do ser autor - talvez por isso a predileção pela narrativa posta em cena. (ainda que saiba plenamente que nesse espetáculo o ator é autor, o diretor é autor, o autor é autor e a luz, cenário, trilha, figurino, ..., também o são). a reflexão que quero fazer saltar é sobre as relações de criação. tanto no sentido dos pais que criam um filho, como do artista que cria uma obra. e tudo isso para contar esta primeira história, que é a da criação de um filho por sua mãe. esta história é a primeira e sob a qual toda reflexão nascerá.

repito: a reflexão que quero fazer saltar é sobre as relações de criação. só que todas, nessa peça, são ficção. desde o narrador que conta a história. desde os personagens que vivenciam. desde a dúvida quanto ao seu papel - não por ter que interpretá-lo - mas por ser um dado papel algo que assuste, que seja de difícil compreensão ou aceitação. tudo serve para contar a história e para desbravá-la. nada para mostrar para nós, espectadores, como é difícil criar. não é isso. a dificuldade está, antes, em ser humano e em processar essa existência.

acho que começo a entender algumas coisas.

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Diogo Liberano