estou tomado nesta madrugada a entender que corpo é esse de K. que personagem é esse dentro dessa sociedade que é a nossa, do capital. a princípio ele é qualquer coisa que não se sabe o que é e que sequer responde a um código (que o explique). e então, como fazer com esta coisa para a qual não há explicação? logo dentro de um sistema - o nosso, o do capital - que tudo explica e que a tudo tem uma explicação (a ser vendida)? como fazer?
seria K. o tal corpo sem órgãos?
calma. deleuze aponta o capitalismo como um sistema potente e sempre capaz de se recupar. ou seja: mal se tenha produzido algo novo - como K. - o sistema então se desdobra e o faz caber dentro de si. o capitalismo se alimenta das aberrações e as tornam produto, possibilidade, moda e tudo então se acostuma e anseia, novamente, por outra surpresa. é a maneira de dar conta do tempo e da nossa fome. inventando notícias, sabores para o verão, cores "novas" para a próxima estação.é uma forma de dar conta do que extrapola a possibilidade do controle.
recodificação. é algo como uma atualização de um programa de computador, que tolera - depois de uma nova versão - os xingamentos que eram até então assinalados com erro no word. recodifica-se. o capitalismo age nesse sentido muito mais rápido do que o catolicismo. a igreja católica está demorando muito tempo para aceitar a utilização da camisinha como necessidade e não mais como pecado.
a eternidade que na bíblia é metáfora e depõe contra a própria religião, para o capital se renova a cada dia. pois é fácil ser eterno se você pode nascer de novo a cada dia. a cada estação tem um carro, a cada mês nova quantia. a cada ano uma nova vida. a cada segundo uma nova cifra.
Um corpo social se define perpetuamente pelos fluxos que correm sobre ele, de um pólo a outro, e é perpetuamente codificado, e há fluxos que escapam aos códigos, e depois há o esforço social para recuperar tudo isso, para axiomatizar tudo, para remanejar um pouco o código, para dar lugar aos fluxos perigosos: pois há jovens que não respondem ao código, usam um corte de cabelo imprevisto, o que se vai fazer? [...] http://www.verbeat.org/blogs/schizoblogg/arquivos/2005/06/gilles_deleuze.html
ok. nada está claro, tudo bem, sem problemas. mas é importante tentar enxergar K. em meio a tudo isso. eu fico me perguntando o que significa pegar esse romance e pensá-lo sob a ótica d'O ANTI-ÉDIPO. isso me faz pensar em anti-SENSACIONALISMO, anti-SUPERFICIALISMO. isso me faz querer contar essa história com humanidade e sinceridade. isso me faz querer tocar na ficção para sê-la, por inteiro. para dar respiração, corpo, voz, alma e poder, enfim, confessá-la.
eu gostaria mesmo de confessar a ficção. que lindo isso, eu vejo agora. ter força o suficiente para confessar a verdade desta ficção. confessar aquilo que dentro dela me chama até ela e pede por olhar, por ponto de vista que a interprete em sua complexidade e não em sua faceta best-seller. poxa, pode ser muito bom. pode ser muito bom.
o que fazer quando no meio da sua sala aparece um elefante? um elefante branco? um improdutivo? uma trans-amazônica? o que fazer quando o improdutivo está sentado em plena sala de estar? como torná-lo produtivo sem vendê-lo? como extrair dele algo que não seja dinheiro? como ouvi-lo sem cobrar pelo tempo perdido? como se relacionar com o improdutivo e bailar seu horror, sua dor por estar vivo?
ele é tudo o que quero descobrir. e, juntos, eu e meus atores, vamos descobri-lo. e amá-lo. e sê-lo em seus pedaços e incompreensões. não para julgar. não para responder. vamos ser K. para atentarmos ao simples fato de que K. podemos ser. e que isso diz respeito ao nosso tempo.
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Diogo Liberano